segunda-feira, 22 de agosto de 2011

DE BONS OLHOS A VEJO

      Aquela estação de trens de ferro, era a porta aberta, de nossa cidade, para o mundo. Nas trilhas daqueles trens, podia-se sonhar com o mundo lá fora. Os trens de ferro, aquele tão moderno meio de comunicação, eram também transportadores de sonhos e casos os mais interessantes.
Em seus vagões levavam e traziam mercadorias vindas de toda  parte, Eram vendedores ambulantes, trazendo em suas malas, novidades nunca vistas antes. Estrangeiros, pessoas as mais diversas, vinham tentar a vida neste lugar. Foi uma época em que estrangeiros, inclusive “patrícios” que chamávamos de turcos, mas na verdade eram sírios, usaram desse meio de comunicação e chegaram até nossas cidades, para tentar nova vida. Trouxeram com eles grande desenvolvimento, para a vida da região.  
     Estávamos localizados no final da ferrovia. Éramos a cidade fim de linha. Assistíamos chegar por aqui muita coisa curiosa. Pessoas que, sem ter rumo previsto, ou até pelo desejo de se esconder, muitos loucos, desciam no final da linha e ficavam perambulando pelas ruas. Eram pessoas extranhas, perturbadas, diferentes... Era só vermos alguém com esta aparência que exclamávamos: - “Eh... fim de linha!”
    Nessa época foi que apareceu por nossas bandas Dr. Marcos. Um senhor que chamávamos de doutor, mas não sabíamos na verdade se tinha este título. O que se dizia é que ele era um alemão, fugitivo de guerra. No desejo de se esconder, veio até o fim da linha da estrada de ferro.  Passou a residir na cidade, muito reservadamente, em um quarto alugado na periferia.
  Por ser muito reservado trabalhava com o imaginário das pessoas. Todos tinham uma opinião à respeito desta vida misteriosa que levava.
Assim diziam: - Ele é um homem que oculta uma grande fortuna, em uma mala escondida em seu quarto.
Outros diziam: - Ele é um fugitivo de guerra que oculta armas, trazidas da Alemanha, terminada a segunda guerra mundial.
Ou ainda: - Ele é um alemão nazista, matador de judeus, que se constitui um perigo para todos nós.
    Durante muito tempo todas essas interrogações aguçaram nossa curiosidade. Uma curiosidade que nunca foi totalmente satisfeita. Depois de sua morte, quando autoridades da cidade revistaram seus pertences, constataram que era descendente de família nobre alemã. Hoje temos no cemitério local, um túmulo em forma de pirâmide, conforme ele mesmo projetou. Ali estão enterrados seus restos mortais e também seus mistérios.
         O que tenho de lembrança desse senhor, que nós chamávamos de doutor, é que era um homem muito fino, sem muita altura, um ar um tanto severo, sem muitos sorrisos, de olhos azuis muito penetrantes, com uma fineza, que lhe era peculiar. Era uma figura singular! Tinha ele o costume de andar pelas fazendas do município e fazer amizade com os fazendeiros. Era sempre muito bem recebido por onde passava.
Na chácara em que morávamos, era dia de festa a visita de doutor Marcos. De longe avistávamos seu caminhar, na estrada que dava acesso à chácara. Formava-se um reboliço a espera da novidade.  Possuía uma aparência inconfundível, pelo seu modo de vestir. Usava chapéus, sobretudo e polainas, bem diferente de nossos costumes. Seu caminhar era batido, compassado e imponente como de um soldado. Meus avós, meus primos, que eram muitos e eu, rodeávamos o visitante. Muito cerimoniosamente  ele cumprimentava meu avô, se inclinava para cumprimentar minha avó e beijar-lhe a mão. Este ato era acompanhado da exclamação: “-De bons olhos a vejo!” Minha avó, descendente de portugueses, de fina educação, sabia perfeitamente a resposta a dar, mas simplesmente dizia: “- Obrigado.” Saia de perto e resmungava: “- Eu bem sei como responder. O certo seria dizer: De coração lhe desejo! Mas isso eu não digo”. Nunca fiquei sabendo se era por vergonha, ou talvez, para não despertar ciúmes em meu avô. Mas era um bom motivo, para despertar risadas em todos nós aquele cumprimento tão esquisito.
Aquele dia era dia de festa com a novidade da visita. Meu avô passaria o dia por conta de fazer sala ao amigo misterioso em “longos colóquios.” E minha avó capricharia na culinária, porque tínhamos visita. Tudo com muita simplicidade, colhido em sua horta.
           Depois de caminhar pelos arredores da chácara, na enorme horta, no belo pomar e pelo curral onde estava o gado, já entardecia, era hora das despedidas.
           Lá se foi mais um dia de novidades, na deliciosa chácara de meus avós, como muitos outros que viriam a suceder.
            Eram situações inocentes que faziam a também simples e inocente alegria de todos nós.

                                                           Wanda. 10/6/05, reescrito em 22/08/11  
   Conto de meu livro "Casos e causos do Casarão".
                                                           

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