terça-feira, 11 de junho de 2013

Surpresas da vida



-- Vamos ao sítio, com a vovó, Fê?
  -- Agora estou brincando, não vou não.
Vó Lila tenta convencer, desejando arrumar uma companheira.
-- Vamos Fê, você vai chupar jabuticaba, andar a cavalo, brincar com os gatinhos.
-- Mas as minhas amigas estão aqui, lá eu não tenho com quem brincar.
-- Tem sim, lá você tem o Quinzé!
Com a ênfase dada por vovó, a imaginação de Fê, uma criança de 3 anos de idade, já pode criar fantasias.
-- Qiunzé? Quem é Quinzé?
-- Lá você vai ficar conhecendo quem é ele.
-- Posso chamar a Pati? Ela vai gostar de ir.
-- Claro que pode, chame a Pati e vamos, sem demora, porque o Quinzé está esperando por vocês.
-- Pati, vamos passear no sítio da Vovó? Se você for, nós vamos andar à cavalo, chupar jabuticabas, e namorar o Quinzé.  
Quinzé foi uma daquelas pessoas que diríamos popularmente: - Este foi esquecido por Deus. Como perdeu os pais muito cedo, morava, de favor, em casa de uma irmã.Possuía uma parentela de 4 irmãos e 9 sobrinhos. Uma figura no mínimo esquisita. Pouca muito pouca estatura, cabelos eriçados,sem estudo, quase analfabeto, de uma aparência pouco atrativa.  Seu vício no álcool interrompeu sua vida muito cedo. Era um alcoólatra inveterado. Acordava no meio do dia, roupas amarrotadas, o rosto avermelhado, descascado por causa do álcool e do sol, caminhava cambaleante sem rumo, até começar novamente o consumo diário para alimentar seu vício, que era sempre financiado por algum “amigo”. Esta situação desregrada, acrescentada aos poucos dotes recebidos pela vida, lhe davam uma aparência asquerosa.
Com o passar do tempo, Lú a irmã de Quinzé, se vê cansada com a situação, sem solução, que o irmão lhe causava diariamente. Toma então a decisão: - Quinzé você vai ter que se arrumar em outro lugar, porque aqui, você está me causando muitos problemas.
Quinzé ouviu tudo em silêncio, saiu de casa e não voltou mais. Andava caído daqui e dali, dormindo nos pastos e barrancos. Não foram poucas as vezes que fora encontrado caído entre a vegetação, nu e com frio.. Quando estava em abstinência, por alguns dias, procurava serviço, no sítio de Vovó Lila. Ela, penalizada, com a situação de Quinzé, resolve lhe dar abrigo. Oferece-lhe um cômodo para dormir, com o mínimo do mínimo necessário de conforto, só para que não ficasse ao léo. Era o que tinha disponível no momento.
Agora Vovó Lila estava com mais um problema: sua neta de três anos de idade queria namorar o Quinzé.
Fê avisou diversas vezes: - Eu vou ao sítio com minha Vó, namorar o Quinzé! Ela só se convenceu do passeio, quando disse que iria namorar o Quinzé. Isto era ponto decidido. Vovó Lila não querendo perder a companhia, não esclareceu as condições do candidato, que a neta escolhera para namorar.
Pelo caminho, as duas crianças inquietas, observavam tudo com olhares de indagação.
- Ainda está longe?
– Vai demorar a chegar?
– Não vejo a hora de chegar logo!
Lá chegando, entre um entretimento e outro, vinha a interrogação:
- O Quinzé vai demorar para chegar?
Foi um tempo de espera e ansiedade. Neste ínterim as brincadeiras de namorados rolavam soltas, até que surge o pretendente ao entardecer, cambaleante, indo de um lado para outro do caminho. Era uma figura incomum, assustadora.
-- Vó Lila que é aquilo que vem lá longe é um bode? Pergunta Fê.
-- Não é um bezerro! Diz Pati.
-- É o seu namorado, diz em tom de brincadeira Vovó Lila.
Enfurecida Fê diz:
-- Não é não! Você disse que eu ia namora o Quinzé.
-- O Quinzé é este que vem aí. Foi você que disse que ia namorá-lo.
--Não é não é um cabrito! Insiste Fê.
-- Não é não, estou lhe dizendo, este que vem aí é o Quinzé.
-- Não é não, o Quinzé é bonito igualzinho ao meu pai. Aquele lá parece um bezerro.
-- Fê, você não está vendo bem, aquele lá é o Quinzé, de quem eu lhe falei.
Fê choraminga:
- Vou contar para meu pai que você acha ele muito feio, parece um cabrito.
-- Fê, você está confundindo as coisas,seu pai não se parece com um cabrito.
-- Não estou não, você falou. Eu vou falar para minha mãe que você está me enganando. Eu quero ir embora.
 Envergonhada e decepcionada, Fê passou o resto da tarde, amuada, em um canto da varanda choramingando e querendo sua mãe.
Foi esta a primeira decepção amorosa da vida de Fê. Nunca se sabe até onde vai a imaginação fértil das crianças.
Passado algum tempo, Fê já adolescente, nem se lembrava mais do ocorrido.
Por quatro dias Quinzé está desaparecido. Os companheiros de trabalho começam a se preocupar: -- Por onde andará Quinzé? Procura daqui, procura dali e nada. – Não é possível ter desaparecido desta forma o pobre coitado. Já preocupados, os companheiros intensificam as buscas. E não é que é encontrado, há poucos metros de seu muquifo, caído no meio do milharal, sendo comido pelas formigas, aquele corpo inerte já em decomposição. Foi uma exclamação geral: -- Pobre vida, merecia coisa bem melhor!
Neste dia Vó Lila, ao voltar para casa, comenta com a adolescente, sua neta:
-- Fê, seu namorado foi encontrado morto no meio do milharal.
-- Que é isso minha Vó, nem me lembro mais desta história. Mas bem que, agora, se ele estiver num lugar bem melhor, ele poderia ajudar-me a arrumar um namorado bem bacana!
                                            Wanda. 12/06/2013

                 

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